18 de dezembro de 2018

TO MARIELLE FRANCO AND ANDERSON PEDRO GOMES




The blood
can not go back in time

like the dew
dries and advances
until the sun

The Scream
Can not stop the gust
of a machine gun

like water
inside the wave
advances
and always returns

Marcelo Ariel 

5 de dezembro de 2018

THE BIRTH OF LANDSCAPE



"Love and noble heart are one thing."

Dante




The girl sees the sea

from within

....................................

is born to say

I walk down a street

call moonlight

holding chrysanthemums

.......................................... ..

the bodies

gathered by water

watering the plants

...........................................

salt woman

swimming

after

water bird

after

flower is


Marcelo Ariel

4 de dezembro de 2017

Do diálogo como um ETHOS




No livro SETE CONVERSAS COM ADOLFO BIOY CASARES de Fernando Sorrentino, lançado pela Editora Penalux, o diálogo que desde Platão foi elevado a condição de dimensão dialógica foi explorado com humor e sagacidade por Fernando Sorrentino  nos livros 'Sete diálogos com Jorge Luis Borges' e ' Sete diálogos com Adolfo Bioy Casares' , este último é o tema de nossa pequena análise. O diálogo cria uma outra temporalidade e é um revelador do Ethos de dois indivíduos, isto fica patente após a leitura das sete conversações de Bioy com Fernando, a tradução de Ana Flores preserva a verve humorístico-dialética das conversas e é justamente nisto que fica visível a leveza do Ethos e em alguns momentos a sábia sombra do Daimon Casariano. Entre os diversos méritos deste livro, está o de nos levar ao questionamento sobre a escassez do diálogo e o esvaziamento da dimensão dialógica em nosso tempo, cada vez mais contaminado pela mera emissão de opiniões e pela confusão entre informação e conhecimento. A dimensão dialógica que seria capaz de iluminar uma paisagem imersa em trevas seria aquilo que é exercitado por Sorrentino e Bioy com elegância, algo que podemos evocar como uma escuta que se duplica dentro do ouvinte, é uma escuta do silêncio do outro e também de sua voz.

Marcelo Ariel

19 de novembro de 2017

A LUTA



Por Marcelo Ariel

O teatro oficina é uma importante fábrica de devires insurrecionais
e quando um conglomerado empresarial-midiático como o GRUPO SS
se contrapõe ao empreendimento ontológico-educacional urbanístico
ecofísico instaurado por LINA BO BARDI E EDSON ELITO
quando esse grupo se opõe de modo parvo com a intenção de anular
 uma força que veio do Brasil profundo para se manifestar como
uma emanação e uma expansão DA SEMANA DE ARTE MODERNA E ALÉM
podemos afirmar que o GANANCIOSO GRUPO SS se coloca 
CONTRA A ARTE COMO PEDAGOGIA, CONTRA A ARTE COMO LIBERTAÇÃO E CONTRA O PATRIMÔNIO CULTURAL DO POVO BRASILEIRO
que é hoje refém de um perverso projeto mercantilista de linhagem escravista colonial
esta decisão estapafúrdia de construir as torres corrompendo
o patrimônio histórico e cultural é um ato de adesão do GRUPO SS
a esse projeto
um ato de grande estupidez INCLUSIVE DENTRO DA LÓGICA DO PRÓPRIO CAPITALISMO se pensarmos que fundações que são braços do marketing de grandes empresas imensamente maiores do que o GRUPO SS doariam o terreno sem pensar duas vezes por causa do MARKETIG POSITIVO que isso iria associar para a marca
É ÓBVIO QUE DENTRO DA LÓGICA TRANSCENDENTE DA ARTE
os grupos e conglomerados capitalistas ou mercantilistas são GRILHEIROS ASSASSINOS E VENDILHÕES DO CORPOTEMPLOTEMPOEXPANDIDO e em seus últimos suspiros  sempre tentam COMPRAR OU DESTRUIR OS SÍMBOLOS & POTÊNCIAS criados por estes corpos
 O TEATRO OFICINA UZYNA UZONA é um lugar onde estes corpos se criam, florescem e são irradiados É O ARRAIAL DE UMA CANUDOS METAFÍSICO ERÓTICA emanando ONDAS VIVAS E GERANDO SEMENTES DE UMA ARTE INSURRECIONAL
PODEMOS ATRAVÉS DA CORAJOSA POTÊNCIA DE NOSSA VONTADE
de uma vontade comunitária
CRIAR A MANUTENÇÃO PERMANENTE DE ESTADOS INSURRECIONAIS
COMO UMA FRANCA OPOSIÇÃO AO GRUPO SS
QUE COMETEU UM ATO IMPORTANTE
EMBORA ESTÚPIDO DENTRO DA GUERRA CULTURAL
deflagrada pelos usurpadores do poder do povo
O GRUPO SS COMETEU UM ATO CUJAS CONSEQUÊNCIAS
IRÃO CRIAR-ESTÃO CRIANDO UM PODEROSO
CAMPO DE CONVERGÊNCIA
ONDE A LUTA DO TEATRO OFICINA UZYNA UZONA
SE CONFUNDE COM TODAS AS LUTAS
ESTAMOS NUM PONTO CONVERGENTE
ESTAMOS TODOS JUNTOS
SOMOS A MAIORIA
SOMOS O POVO
SOMOS O TEATRO OFICINA

3 de novembro de 2017

Dois poemas de Manuel Antônio Pina



A um jovem poeta
Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti. Procura-a em prosa, pode ser
que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças
como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.
Talvez possas então
escrever sem porquê.
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.

A poesia vai
A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
- Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? -

20 de outubro de 2017

Parte desse silêncio


“ Hoje estão consternados pelo silêncio do mundo naqueles dias. Amanhã farão parte desse silêncio”
Piotr Cywicz, diretor do Museu de Auschwitz

Parte desse silêncio em Ruanda
dissimulado pela prática comum do alheamento
Onde estão as latinhas, ele pergunta
Estão ali, juntamos um pouco de papelão também e umas garrafas vazias lá nos fundos
Parte desse silêncio na Somália
O choro nítido de alguém já morto
Uma vez mais a imagem me olha
O inconcebível
Fumaça saindo de dentro dos corpos
pela boca, pelos olhos
por um instante somente os suicidas vivem
com um motivo
com uma chuva infinita
de bombas chamada
‘ Meu reino não é deste mundo ‘
Parte desse silêncio na Palestina
uma pomba voando
com um buraco de bala na asa
querubins em pedaços
nas ruínas de um berçário
O poema segue
flutuando na avenida
na perspectiva da desaparição
Parte desse silêncio
Na Aldeia do Mato Grosso
A memória não pode alcançar
O infinito que é seu principio
O ossário de raízes e flores
desconhecidas
uma trincheira rasa
no sorriso

do Pajé
o céu cedendo
enquanto o mar sobe
Parte desse silêncio
procurando outros
formando um grande Sol
visível apenas para os mortos

18 de abril de 2017

Poemas inéditos de Tiago D. Oliveira






10 textos de
NO FINAL SÃO OS CONTORNOS DO TEMPO


Tu deseo es que los objetos se mantengan em silêncio
Aníbal Cristobo


um elefante branco

se tudo fosse a fotografia não
havia um pequeno elefante branco
sobre o criado mudo e a carta
não também não era a carta
dentro do segundo parágrafo
um único e fresco borrão
ou um pingo de chuva ou não
uma lágrima isso
uma lágrima era tudo o que tinha
que podia até ser minha mas não
havia algo a mais dentro
daquele momento
tornando como os pingos de chuva
de uma noite inteira se tudo
fosse a fotografia não é
possível separar nada agora
se tudo fosse a fotografia
enquanto esfrego a ponta dos dedos
no pequeno elefante branco
como uma lâmpada mágica


[o que cresce de nós]

A pessoa que mais amo
é feita desse mirante,
dessa época do ano,
do perto desse instante.
Carlito Azevedo

o que cresce de nós
é feito deste movimento da tarde
sobre as nuvens
as cores tornando as dores
impassíveis dentro de mais um suspiro
um fio de melancolia de braços abertos
de nós o que cresce
é o antissilêncio no peito
e se calamos é para entender
todas as vozes
e se calamos é para aceitar
que ainda existem
libertas nas formas de afeto
o que cresce de nós na distância
enquanto escorre a lágrima
do rosto da criança
que exaurimos ou expulsamos
em um pensamento triste


no final são os contornos do tempo

com palavras e as mãos atentas
às linhas dos contornos contornos
que há um momento alguns digamos
que palavras e mãos se tornam iguais
com sombras e marcas iguais até
que ponto uma palavra pode pesar
deixar seus contornos e pesar retas
paralelas sem balanço algum
retas somente retas
palavras mãos atentas ou não
ao peso que acessou às suas curvas
para sentir nas nuances a veia
pulsante nos contornos dos dias contornos
que há um momento tênue momento
em que as palavras são esvaziadas
como as retas servem para encurtar
há desses em que só o silêncio
consegue relaxar as formas devagar
recolocar cada curva em seu desalinho
cada reta em descordo com o chegar
para sentir a brisa pele dos contornos


23.11.2009

há um segundo e meio
indo e vindo
você lendo Rakushisha
diluindo os rompantes flutuantes
no movimento dos olhos
enquanto volto a faixa
trem das cores: balanço
os dois lados da moeda
um segundo e meio
uma vida inteira


V

desprotegidos há tempos
somente estes dez segundos
cinco para lembrar e cinco para esquecer
existe nas entranhas um registro
que insiste em bagunçar
dentro deste pequeno caos individual
que aproxima todas as dores
dez segundos para viver
dividir entre lembrar e esquecer

queria perder alguns cantos

o último assento do lado direito
do elétrico Jerónimos – Cais de Sodré
a fumaça das sardinhas como névoa
o sopro que antecede o metrô
a chuva no miradouro do Adamastor

queria o que cresce nos mínimos



[a sua voz esticada a porta]

a sua voz esticada a porta
do elevador fechando e a palavra
açúcar – não esqueça do açúcar –
entre o 9º e o PG lembro
das ondas e do duplo do mar
daquele que entende diante do poema
que é preciso aprender a ficar submerso
volto para o açúcar e o elevador sacode
abre a porta – bom dia seu zé – será será
um duplo de beleza despercebida
açúcar e o sinal quebrado
os carros abrindo e fechando a luz
e não chove e não há uma folha
solta voando só os prédios percebem
o som da nossa voz sob nós
é preciso aprender a fica submerso
é um poema de Alberto Pucheu
submerso no mar no trânsito
das ondas até que sejas
lançado de volta para a superfície
quando era menino mergulhávamos
no tanque da laje de Duda
um minuto um e trinta
um e cinquenta dois
o ar nunca foi igual:
vivemos para respirar
entre o açúcar a folha
e o poema de Pucheu
caminho em silêncio entre
escrever é ter acesso
é aceitar a diferença que há
no peso dos corpos sobre a terra


[que seja a sua própria vela o poema]

que seja a sua própria vela o poema:
quando o cabo do revólver quebrou
a janela do carro solfejava este verso
depois fiquei na marginal
assombrado com o delírio
do impulso do vento que seja
a sua própria vela o poema:
é a dimensão que tateia o homem
a empurrar uma arma tomar
um carro bater num poste
no dia seguinte não saber
se foi sonho ou vida
o gosto de sangue na boca
e o que se repete pede
pede pele
como um abraço traduz
o amor é mais a parte
que ainda não compreendemos


[a Geni do Chico como um pêndulo]

a Geni do Chico como um pêndulo
a imagem muda para o mar
ela continua como as ondas
que recomeçam sem fim
mas ainda carrega um leve
regalo de beleza crua
sangrando sem perder
a paz repugnada na fome
do mundo há uma Geni
inflamando o mistério
entre generais e gerânios
acho que essa é a melhor
definição deste amor


[depois de recitar sobre o cânion]

depois de recitar sobre o cânion
que há na moldura do espelho
ria sem parar ria
água por água imensidão
que existe em desdenhar
da própria dor colocar
um jarro de flores sobre a mesa
passou o dedo lambido na sobrancelha
ajeitou os calcanhares seu tango
sempre foi a melhor parte
dos dias a melhor
façamos assim – essa voz
uma prosa poética ou
um poema em prosa ou
a chave de casa a mesa
deixamos de agradecer não
havia mais recados na porta da geladeira
o toque acontecia nas mensagens
pelo celular entre um café e outro
foi o que descobrimos um tempo depois
quando Caetano cantou Surucucu Paloma
o uivo machucou uma certeza cega instalada
há tempos é quase nada quando Caetano
soprou a miséria pesou certa
quando o suor quedou em força
estávamos os dois prontos


[a piaçava empurrando]

a piaçava empurrando
os confetes molhados
sobre o azulejo
no movimento dos braços
a alegria de ontem inofensiva
como as bitucas de cigarro

você me disse certa vez
que o amor é reconhecido
como uma voz no escuro

os pés de lá para cá não dançam
perseguem os restos da comemoração
que não importa não chega
o que há de ser comemorado
amanhecido no domingo

eu que nunca quis vender
a razão para o coração
ainda temo a banalização
do amor na sala de estar

depois do lixo reunido
cadeiras e mesas sobrepostas
as janelas e portas fechadas
na noite sempre anterior
a vida também é uma festa
tal como nas pedreiras
o suor e o canto temperam
este fio de sol que rasga o céu
e há dias em que o sorriso existe

enquanto aceitávamos
as curvas das imperfeições
maturávamos o abraço
e o olhar para a casa simples
aos pés de um rio que não cessa
para o que se coloca a sobrar:
que observasse as borboletas
                              borboletas


Tiago D. Oliveira, estudou Letras na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e na Universidade Nova de Lisboa (UNL). Em 2014 lançou o livro de poemas, Distraído, pela Editora Pinaúna, no Brasil, o primeiro solo. Em 2016, saiu o Debaixo do Vazio, pela Editora Córrego. Tem poemas publicados em algumas revistas e jornais especializados no Brasil e em Portugal, como também em algumas antologias.



imagem Maess

1 de agosto de 2016

Entrevista com Daniele Avila Small







1) À luz dos conceitos de Rancière, analisados por você em sua obra "O crítico ignorante", como seria repensar a natureza da relação entre obra e espectador?

No contexto do crítico ignorante, ou seja, no imaginário de teatro em que a pesquisa se situa, penso em três palavras-chave para a natureza da relação entre obra e espectador: horizontalidade, mediação e pertencimento. A primeira destas três ideias aparece com mais clareza no livro: a horizontalidade é uma premissa básica para a obra estar na linha dos olhos do espectador, para que haja uma relação de igual para igual, em que a obra não seja a materialização de uma distância entre artista e espectador. A obra conta com o espectador, precisa dele que, por sua vez, tem espaço para entrar com as suas referências, para fazer a sua leitura, emprestar à obra o seu repertório.

A ideia de mediação aqui presente não é aquela feita pelo crítico, mas a mediação do próprio espectador, do crítico que há dentro do espectador. Com essa ideia, reforço que a relação obra-espectador que interessa a essa pesquisa não é imediata (o que a meu ver seria uma relação vertical), ou seja, não está tudo dado, tudo pronto, para o espectador pegar de uma vez só. Há trabalho a fazer. O material que a obra coloca em jogo precisa ser mediado – e a diferença (para com a mediação do crítico explicador) é que o espectador é autônomo no agenciamento dos sentidos. 

Considero o sentimento de pertencimento uma conquista significativa entre obra e espectador. Esse sentimento se dá quando o espectador entende que ele é espectador daquela obra especificamente, que ela foi feita para ele, ou para pessoas como ele. No âmbito do teatro que temos em vista na pesquisa sobre o crítico ignorante, não faz sentido a ideia de que todas as peças têm que ser para todos os espectadores. Mais interessante que o espectador gostar de qualquer peça é ele criar laços com o teatro a partir de obras importantes para ele. O sentimento de pertencimento acontece quando sentimos saudade de uma peça, quando nos lembramos dela como algo que de fato aconteceu na nossa vida. Certa vez, uma amiga disse uma frase que define muito bem essa relação de pertencimento: “Eu queria morar naquela peça.”


2) Você pode nos dar uma ideia sobre a diferença entre o crítico explicador e o crítico ignorante?

A diferença fundamental está na combinação entre o lugar de fala e a pressuposição sobre o outro.

O crítico explicador vê as peças de teatro “de cima” e se coloca “de fora” na sua fala. Esse crítico trata o espectador como alguém que não tem o seu próprio saber, que não tem ferramentas para lidar com as obras e cuja opinião precisa ser verificada, precisa ser adequada à opinião certa. Mas a pressuposição mais comum sobre o espectador é que ele na verdade não está muito interessado, que o espetáculo não deve tomar muito do seu tempo nem exigir qualquer esforço. A crítica, por conta disso, também não pode incomodar o espectador, precisa ser curta e objetiva, não pode dar trabalho.

O crítico ignorante se coloca lado a lado, no mesmo patamar, na mesma altura que os artistas e os espectadores. Ele se coloca por dentro do processo do teatro, é espectador também e imagina que o espectador a quem ele se dirige tem as suas próprias ferramentas. O crítico ignorante escreve para o espectador que está interessado no teatro e está interessado na crítica, que tem o seu tempo para aproveitar a relação com o teatro, que pensa sobre o que vê e quer saber o que os outros também pensam. 


3) Como você vê o trânsito entre o espectador "consumidor de espetáculos" e o espectador emancipado? Que tipo de ferramentas são usadas pelo espectador emancipado ao assistir a uma peça teatral?

Vou me limitar às ferramentas que Joseph Jacotot, criador do método do mestre ignorante, menciona no seu projeto pedagógico: o movimento de tradução e contratradução, que é o método que usamos para aprender todas as coisas na vida. Acredito mesmo que não é necessário ter um conjunto de conhecimentos prévios para começar a se relacionar com o teatro de uma maneira mais intensa. O que diferencia o consumidor de espetáculos do espectador emancipado é a atitude do próprio espectador, o entusiasmo, o interesse, a natureza da atenção que ele oferece à obra. O repertório, nessa equação, é fundamental. Diante de um determinado tipo de espetáculo, que é feito para consumidores, não há como ser espectador emancipado. Da mesma forma, algumas peças simplesmente rejeitam a atitude do consumidor, porque em nada se parecem com uma mercadoria. Assim, o trânsito entre consumidor e espectador emancipado pode estar em uma mudança de repertório. Daí a extrema importância dos lugares de curador, programador, gestor de espaços públicos, jurado de editais e de prêmios, tanto quanto do crítico.

4) De acordo com sua experiência como crítica teatral, qual visão o artista explicador demonstra ter a respeito do espectador?

A visão do artista explicador, que é uma conceituação, não um artista específico a quem eu me refiro, em relação ao espectador é a de que o espectador está em uma condição de menoridade. Nessa situação, o artista se comporta como quem tem uma lição a dar, um conteúdo a ensinar, ou, como se costuma falar, precisa provocar o espectador a sair da sua condição de “passividade”. É prepotente o artista achar que ele, que faz teatro, é muito ativo na vida e que o espectador, que frequenta o teatro, é passivo. Nada sabemos sobre o que uma pessoa enfrenta na sua vida, no dia a dia, nada sabemos sobre as lutas e realizações dos espectadores para pressupor sua passividade. Por que pensar que o espectador ignora aquilo que sabemos, que ele é parte de uma massa que não pensa? Isso acontece por exemplo, quando a peça tem um conteúdo de denúncia e os atores dizem coisas diretamente ao espectador aos gritos, como se os espectadores tivessem uma participação na injustiça que a peça denuncia. Ou também quando alguma fala se refere ao “povo” e nesse momento algum ator se vira para a plateia com olhar de desprezo.

A ideia de teatro literalmente político que é comum no Brasil muitas vezes desliza para essa atitude explicadora. Também é possível perceber uma atitude de superioridade dos artistas quando a peça é reiterativa, quando subestima a inteligência do espectador, sublinhando aquilo que poderia ser facilmente deduzido.

5) Como você visualiza, nos dias de hoje, a "tensão entre Academia e mercado", a crítica dirigida aos especialistas e interessados e a crítica dirigida ao grande público?

Acho que não há uma tensão, porque não há relação entre elas. A crítica dirigida ao grande público está submetida à crise do jornalismo como negócio. As críticas na Internet que imitam o velho modelo da crítica de jornal impresso recente no Brasil estão apenas curtindo uma sobrevida, prestando um serviço inócuo de divulgação que tem um alcance muito curto e que supre muito debilmente a carência que os artistas têm por atenção ao seu trabalho.

A crítica dirigida aos artistas e aos espectadores mais interessados, que têm uma relação comprometida com o teatro, que se relacionam com os espetáculos como obra de arte, essa crítica vai ter sempre um lugar na academia para se desenvolver. Com a Internet, esse debate mais restrito ficou mais amplo, porque passou a ser mais visível, começou a circular. Me parece que essa crítica está crescendo e conquistando o interesse dos artistas – é importante lembrar que nem todo artista se interessa pelo debate crítico. Eu não consigo dimensionar o quanto essa crítica ultrapassa as fronteiras do debate interno, mas acho saudável e importante que o debate crítico interno se fortaleça. Quando não há diálogo entre críticos e artistas, não há nem por que desejar visibilidade para a crítica. Nesse caso, a publicidade da crítica pode ser nociva na medida em que distancia o público do teatro, como aconteceu nas últimas décadas no Rio de Janeiro por causa do teor das críticas do jornal O Globo, em que o debate crítico era completamente desconectado das questões contemporâneas do teatro. 

Não estamos em um momento de visibilidade da crítica e isso pode ser bom. Podemos aproveitar esse período para “arrumar a casa”, para nos tornarmos cúmplices, falarmos a mesma língua. Além disso, estamos em um momento de grandes transformações nas comunicações, nas dinâmicas de circulação dos saberes na esfera pública. Já não faz mais sentido aquela ideia de um grande nome da crítica em um grande jornal que fala para todos os públicos, nem mesmo de dois ou três grandes críticos em dois ou três grandes jornais. Esse lugar de fala está deixando de existir – para o bem e para o mal. A partilha dos saberes agora se dá em redes, pelos coletivos, por iniciativas que não são grandiosas nem individuais. A fragmentação da esfera pública, que sempre foi uma realidade, agora é mais visível – e podemos trabalhar com isso a nosso favor. Críticos e artistas precisam saber identificar os seus territórios e saber atuar com relevância nos seus territórios. Grande público é para os grandes eventos. As obras de arte do teatro têm que se comunicar com o seu público, que é particular do seu trabalho. 


6) Seria o regime estético das artes, conceituado por Rancière e destacado através da citação de Cesar Guimarães, uma ferramenta para o trabalho do crítico ignorante na apreciação de uma obra teatral?

O regime estético das artes serve bem à conceituação do crítico ignorante especialmente na sua comparação com o regime poético das artes. O contraste entre eles pode se espelhar no contraste entre o crítico explicador e o crítico ignorante. O regime poético das artes, grosso modo, se baseia em um conjunto de regras, em modos pré-determinados de fazer. O crítico explicador é normativo, procura adequar as obras a conceitos prévios. O regime estético das artes, o que Rancière colocaria como um modo de visibilidade das artes, um modo de dizer “isto é arte”, é o que está à nossa volta, é o modo de ver a arte do tempo em que vivemos. Para a crítica, basta uma adequação de uma tradição crítica engessada a uma lida com as obras em que as regras do jogo são dadas no próprio jogo, a cada nova partida.  

7) "Caminante, no hay camino, se hace camino al andar" (verso de Antonio Machado, tantas vezes lembrado quando nos ressentimos de mapas pré-fixados) parece-me que dialoga com a bela definição de Rancière sobre uma possível sociedade de emancipados, uma sociedade de artistas... Você acha que essa condição pode ir além da utopia?

Uma característica importante da proposta do Ensino Universal de Joseph Jacotot, que formulou a ideia de mestre ignorante, que serviu de base para o crítico ignorante, é que Jacotot afirma que não é possível formar uma sociedade de emancipados, porque a emancipação é individual. Podemos caminhar na direção de uma sociedade de emancipados, porque é no caminho mesmo que o processo de emancipação se dá, mas ela não vai se concretizar. Se pensarmos em um projeto coletivo para o futuro, é utopia e, na condição mesma de utopia, não se realiza. Mas a emancipação das inteligências e das sensibilidades é individual e no presente.


8) Este trabalho da crítica que "torna a obra de arte novamente visível de um modo diferente" e que privilegia o ensaio como fator de autonomia está diretamente relacionado com um posicionamento seu na Revista "Questão de Crítica", na "Ensaia" e nos coletivos e plataformas dos quais participa. Pode nos contar algo sobre essas experiências?

Não tenho uma relação direta com a Ensaia. Faço parte do Conselho Editorial, adoraria participar mais, mas ainda não consegui. E a Ensaia não é uma revista de crítica, então eu não colocaria ela nesse lugar.

A Questão de Crítica tem oito anos de história e passou por muitas fases diferentes. Nem sempre conseguimos produzir textos que estivessem alinhados com essas ideias que estão ali no meu livro, até porque, no início, os colaboradores da revista não tinham uma proximidade com a minha pesquisa. Mas, recentemente, desde 2014, me parece que formamos um grupo que, por mais diverso que seja, tem esse trabalho em comum, essa consciência sobre o lugar de fala da crítica. Isso aconteceu porque começamos a nos encontrar e discutir as peças e as ideias sobre teatro e crítica com mais frequência. Primeiro, em reuniões mesmo, depois começamos a ter essa interação de maneira mais orgânica. Acredito que o trabalho de grupo é o que faz com que haja um posicionamento da revista e que as nossas ideias de crítica apareçam concretamente nos textos.

É o que acontece também na DocumentaCena, embora de outro modo, pois os integrantes são de coletivos de diferentes cidades – Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife. Nossos encontros presenciais são mais raros e acontecem via de regra nos festivais. Mas nos esforçamos para fazer um trabalho em conjunto, tentando aprender uns com os outros. Com essa interação, vamos conseguindo pensar a nossa atividade de acordo com a cultura de crítica de cada cidade, tentando vislumbrar uma ideia de teatro e de crítica no Brasil. Não só cada casa, como chamamos os nossos sites, mas cada integrante tem seu próprio projeto de crítica, suas referências, sua formação, mas esse trabalho coletivo tem a ver com a necessidade que todos temos de fazer com que a crítica seja relevante para o teatro do nosso tempo.

É um duplo movimento, de trabalho individual e coletivo. O desejo de coletividade, que aparece na Questão de Crítica e na DocumentaCena, me parece ser um movimento coerente com o tempo em que vivemos, que é mais das redes que dos protagonistas. Mas é no trabalho individual, de formiguinha, de cada um, no embate com cada obra, a cada texto crítico, que constrói a possibilidade de uma relação diferente entre teatro e crítica. É no acúmulo, na soma dos nossos trabalhos individuais e na coerência entre eles que se pode visualizar um corpus crítico, o esforço de uma geração. E, a meu ver, o esforço dessa geração, desse grupo do qual eu faço parte, vai nessa direção mais criativa da crítica.

9) Gostaríamos de ouvir sobre o processo da peça "Garras curvas e um canto sedutor" e sua atuação na dramaturgia. Além disso, como é trabalhar com o diretor (também seu parceiro) Felipe Vidal?

A peça Garras curvas e um canto sedutor foi escrita em 2006 e montada em 2013. Inicialmente, eu queria dirigir, mas acabei abrindo mão de me dedicar a isso por causa da Questão de Crítica. Quando consegui o patrocínio e o Felipe começou a ensaiar, eu estava em outro momento, tendo que responder a outras demandas, e não acompanhei os ensaios a não ser na reta final. Com isso, o processo ficou deslocado no tempo. Mas posso dizer que a escrita da peça começou como uma adaptação do conto Catedral, do escritor americano Raymond Carver – que as pessoas conhecem do filme Shortcuts, do Robert Altman, feito a partir de contos do Carver e, mais recentemente, por conta de Birdman, filme do Iñarritu, cujo protagonista está ensaiando uma peça inspirada em um conto do Carver. Mas eu o conheci em um curso de literatura americana, que fiz quando eu não tinha nem vinte anos. Ele fez parte da minha formação. Acho muito significativo que a única peça que eu fiz até hoje seja uma peça que eu fiz para ele. Porque ao longo da adaptação eu percebi que estava escrevendo outra peça, que tinha partido do argumento do conto mas que ia em outra direção, muito diversa, pontuada por outras referências. Na peça, há uma presença muito marcante de um poema do Edgar Allan Poe, O corvo, que não tem nenhuma relação com o conto do Carver. A catedral do título do conto, por exemplo, na minha peça é uma esfinge. Então coloquei o subtítulo “Peça para Raymond Carver” porque acho que ela é uma leitura do conto, algo que eu fiz para devolver para ele o afeto que eu tenho por aquela história.

Minha relação com a peça é quase literária. Se você reparar nas rubricas, vai perceber que elas não são nada teatrais, elas são literatura. E a visão da encenação é toda do Felipe. Nos nossos projetos em comum, no Complexo Duplo, apesar de mantermos uma interlocução intensa, inserida no nosso cotidiano, eu não interfiro no que acontece em cena. Nossa parceria está mais ligada à idealização dos projetos, especialmente no caso das montagens dos textos do Martin Crimp e do Garras curvas. É uma interlocução intelectual.

Minha relação com a dramaturgia é algo que pretendo desenvolver mais a partir de agora. É um futuro. Traduzir textos de teatro é algo que considero uma outra forma de dramaturgia. Entrar na voz de um autor, acompanhar a agulha da sua trama, participar na escolha das linhas, entender por dentro a sintaxe de cada peça ou de cada autor, tudo isso pra mim é uma escola de dramaturgia. Traduzi textos de Martin Crimp (Tentativa contra a vida dela, O campo, A cidade, Na República da Felicidade), Daniel MacIvor (In on it, A primeira vista), David Ives (Vênus de vison), Keith Huff (Chuva constante), e outros de projetos que ainda não foram realizados. Gosto muito da ideia de trabalhar a partir de um material prévio (o que é no final das contas o que sempre acontece) porque a literatura me interessa muito. Eu sou crítica porque eu sou leitora. E a minha noção de dramaturgia está muito ligada à ideia de leitura de alguma coisa.


10) Quais projetos estão tomando sua vida no momento e vêm pela frente?

O projeto que mais vai tomar minha atenção agora é a tese de doutorado. Muitos pequenos projetos ou projetos de longa duração vão ter que ficar em segundo plano por um tempo. Mas acredito que a feitura da minha tese esteja muito imbricada com a minha atividade crítica pois está diretamente relacionada com a análise de espetáculos de teatro contemporâneo.

Paralelamente à pesquisa da tese, continuam as atividades da Questão de Crítica, com três edições por ano. O Prêmio Questão de Crítica vai passar por uma mudança drástica de formato, porque vamos abolir as categorias prévias e a dinâmica de indicações. Mas, ainda assim, é uma atividade que toma muito tempo, pois temos que ficar atentos à programação da cidade durante todo o ano. O Encontro Questão de Crítica depende de fôlego para captação de recursos, mas a quarta edição está prevista para 2017.

Minha atividade crítica também continua junto à DocumentaCena – Plataforma de Crítica, um espaço de intercâmbio entre críticos do Rio (da Questão de Crítica), de Belo Horizonte (do Horizonte da Cena) e de Recife (do Satisfeita, Yolanda?), que se dá principalmente na cobertura de festivais internacionais e em estudos realizados periodicamente entre nós. Soma-se a isso o desejo de interlocução com críticos de fora do país, o que está se iniciando com a nossa participação na Associação Internacional de Críticos de Teatro.

Mas o que me anima agora, entusiasmo a ser negociado com as demandas do doutorado, é a prática de artista. O desejo de escrever e encenar peças foi interrompido lá atrás, em 2007, quando decidi que seria mais importante – tanto para a minha formação individual quanto para a comunidade artística no meu entorno – se eu me esforçasse por realizar um projeto maior dedicado à crítica de teatro. Agora, penso que está na hora de retomar esse antigo projeto. O primeiro passo é montar um espetáculo que está sendo idealizado em parceria com a Clarisse Zarvos, que pretendemos fazer no ano que vem.


Daniele Avila Small é doutoranda em Artes Cênicas pela UNIRIO (Bolsa CAPES), Mestra em História Social da Cultura pela PUC-Rio e Bacharel em Teoria do Teatro pela UNIRIO. Autora do livro O crítico ignorante – uma negociação teórica meio complicada (Editora 7Letras, 2015) e da peça Garras curvas e um canto sedutor (Cobogó, 2015). Foi diretora artística do Teatro Gláucio Gill em 2011 e 2012 com Felipe Vidal na Ocupação Complexo Duplo, indicada aos Prêmios Shell e APTR na categoria especial. É idealizadora e editora da Questão de Crítica – revista eletrônica de críticas e estudos teatrais (www.questaodecritica.com.br), integra o coletivo Complexo Duplo e a DocumentaCena – Plataforma de Crítica. É presidente da seção brasileira da Associação Internacional de Críticos de Teatro (IACT-AICT), afiliada à UNESCO.